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A escassez de avanços para o tratamento da Epilepsia: quando vamos falar sobre isso?


Os medicamentos antiepiléticos

atualmente utilizados para tratar as diversas formas de epilepsia não curam o quadro neurológico, nem sequer conseguem controlar as crises epilépticas em quase 40% das pessoas que sofrem da doença. Um estudo longitudinal¹ que acompanhou, por um período mínimo de 2 anos, 1795 pessoas com diagnóstico recente de epilepsia e tratados com antiepilépticos convencionais, publicado em dezembro de 2017, confirma que mais de um terço dos pacientes não respondem aos tratamentos convencionais, ou seja, não têm as crises controladas.


Esse estudo revelou que quando o tratamento com o primeiro antepiléptico falha, a probabilidade de controle das crises epilépticas aumenta apenas 11,6% com a introdução de um segundo antiepiléptico e 4,4% com um terceiro. Além disso, quando o controle das crises epilépticas não teve sucesso com o primeiro medicamento utilizado, as chances de não responder a outros antiepilépticos aumenta significativamente (1,73 vezes) para cada tentativa subsequente. O estudo concluiu que os resultados globais no tratamento voltado para o controle da epilepsia não avançou a contento nas últimas décadas, havendo um número bastante expressivo de casos que permanecem tendo crises ao longo da vida, indicando alta refratariedade às medicações conhecidas.


Quando se desenha um panorama histórico dos medicamentos antiepilépticos não parece nada estranho que estudos como esse revelem a realidade que pessoas com epilepsia e seus familiares conhecem muito bem: a pouca eficácia da medicação disponível nos casos de epilepsia refratária e a pouca preocupação científica com a inovação diagnóstica e terapêutica de uma disfunção cerebral que acomete pelo menos 1% da população mundial.


Os medicamentos antiepilépticos hoje disponíveis são pouco atuais e divididos em três grandes categorias². Os de primeira geração foram desenvolvidos entre o final do século 19 e meados do século 20 (1857 a 1958) em uma época em que se podia contar com poucos recursos tecnológicos para a investigação e compreensão do diagnóstico e dos mecanismos de ação das drogas antiepiléticas. Esses medicamentos, entre os quais se destacam o brometo de potássio e o fenobarbital, foram largamente utilizados, juntamente com outros derivados de barbitúricos, como a fenitoína e a primidona.


Somente em 1960, começaram a ser comercializados os antiepilépticos de segunda geração, encabeçados pela carbamazepina, o valproato e os benzodiazepínicos os quais ainda ocupam o topo das medicações de primeira escolha, especialmente pelo seu baixo custo, apesar do surgimento dos medicamentos de terceira geração, a partir de 1980. Os anticonvulsivos mais recentes, ditos de terceira geração, como a pregabalina, a gabapentina, a vigabratina e a tiagabina estão sendo comercializados há cerca de 40 anos, com poucas inovações desde então e com mecanismos de ação ainda não totalmente conhecidos, bem como os seus inúmeros efeitos adversos. É necessário salientar também que os mais recentes antiepilépticos, como a lamotrigina e o topiramato, não foram desenvolvidos para esse fim, sendo seus efeitos antiepiléticos descobertos "acidentalmente".


Todos os avanços das neurociências e dos exames de neuroimagem que permitem a melhor especificação das disfunções neurológicas implicadas no diagnóstico das epilepsias e nos mecanismos de ação subjacentes parecem ter tido pouca repercussão no desenvolvimentos de novos fármacos mais eficazes para o controle das crises epilépticas, apesar da redução de alguns efeitos secundários e interações sistêmicas que muitas vezes tornam impossível a continuidade do uso. Não é incomum que quando as drogas anticonvulsivas fracassem, alguns médicos assistentes acabem por abandonar o paciente à própria sorte, como se a ineficácia terapêutica fosse uma condição do indivíduo e não uma característica do atual estado do conhecimento sobre a epilepsia e as drogas antiepilépticas.


Além disso, a pesquisa científica envolvendo os fármacos antiepilépticos está longe de atender a todos os requisitos exigidos para estudos experimentais de qualidade². Por exemplo, alguns estudos apontam que o desenvolvimento de novos medicamentos para a epilepsia, geralmente, envolvem pesquisas que comparam seus resultados com a utilização de placebo na amostra clínica, mas não com a utilização de um medicamento padrão mais antigo.


Desse modo, pode-se até demonstrar que os novos fármacos são mais eficazes que os placebos, mas não há evidências convincentes do ganho em eficácia terapêutica desses novos medicamentos em relação aos medicamentos de referência mais antigos. Não fica demonstrado experimental e clinicamente que esses medicamentos de fato são superiores aos anteriores quando são liberados para a comercialização, oferecendo benefício clínico geral sobre as crises ou associado a menor risco de hipersensibilidade e interações com outros medicamentos, ou capturando reações adversas raras que surgem com o uso contínuo, além de, em geral, terem um preço mais elevado. Além disso, para agilizar e atender as exigências dos protocolos de pesquisa e minimizar os investimentos financeiros, há tendência à inclusão das mesmas amostras de pacientes com refratariedade em testes clínicos com novas substâncias o que pode gerar uma grande variedade de respostas sobrepostas e informações replicadas, com quase nenhum ganho em termos de conhecimento inédito².


O desenvolvimento de medicamentos de quarta geração, ainda indisponíveis no Brasil, é uma promessa de avanços. No entanto, a evidência disponível até o momento sobre o desenvolvimento desses novos fármacos sugere que a eficácia e a tolerabilidade continuará aquém do necessário para pessoas que apresentam refratariedade no tratamento farmacológico, tendo em vista as metodologias implicadas nas pesquisas. Segundo a literatura, o que se sabe até hoje com os fármacos antiepilépticos de terceira geração, permite algumas conclusões que não podem ser menosprezadas no debate que visa promover avanços, pois, sintetizam os dilemas atuais quanto às drogas antiepilépticas. Esses dilemas apontados pela literatura² estão sumarizados a seguir:


- Alguns medicamentos antiepilépticos de terceira geração parecem ter algumas vantagens evidentes sobre os anteriores em aspectos secundários, mas não exatamente no que se refere à eficácia no controle das crises epilépticas e na tolerabilidade no dia a dia do tratamento². Justamente essa falta de ganhos na eficácia e na tolerância ao uso dos medicamentos antiepilépticos impõe que um número expressivos de pacientes tenha uma qualidade de vida abaixo do aceitável, com grande sofrimento físico e psicossocial, sendo forçados a buscar continuamente, de modo aleatório e autônomo, estratégias alternativas para enfrentar as crises que permanecem ativas, com grande dispêndio de energia e recursos financeiros, apontando a vulnerabilidade e o desamparo em que se encontram.


- A aparente falta de inovação e progresso dos medicamentos anticonvulsivos tem causas múltiplas, boa parte relacionadas a questões que envolvem as etapas pré-clínicas e clínicas das pesquisas². Mais do que testar a sensibilidade dos novos medicamentos para a epilepsia, é necessário focar no ganho de eficácia terapêutica e nos desenhos pré-clínicos que levem em consideração todas as diferenças implicadas nos testes com animais e com crises provocadas. (Por exemplo, os testes em animais focam-se principalmente na potência da droga e na não sua eficácia).


- Além disso, modelos disponíveis para convulsões farmacorresistentes não são rotineiramente incluídos nos testes iniciais para a descoberta de novas drogas em programas acadêmicos ou farmacêuticos, tendo como consequência imediata a não identificação de medicamentos que podem apresentar efeitos benéficos sobre as epilepsias refratárias². Portanto, continuar com as atuais formas pré-clínicas e clínicas de testes no desenvolvimento de drogas anticonvulsivas não favorece a evolução, sendo necessária a implementação de estratégias inovadoras, propostas por pesquisadores com experiência na pesquisa empírica e com ideias transformadoras.


Incluir modelos de epilepsias farmacorresistentes no desenvolvimento de novos medicamentos implica também em explorar novas etiologias e interações sistêmicas da epilepsia, ainda que isso possa exigir esforços. Estudos contemporâneos³ têm, por exemplo, tentado abordar possíveis questões inflamatórias e autoimunes que ocorrem concomitantemente à epilepsia, propondo a compreensão e o controle das crises epilépticas em uma abordagem que não se restrinja apenas ao uso da droga antiepiléptica.


Por outro lado, há que se considerar também a estreita e direta relação entre a precisão diagnóstica, o conhecimento sobre a fisiopatologia da doença e o desenvolvimento de intervenções terapêuticas exitosas²-³. Não se trata apenas e somente de produzir novos medicamentos, mas de melhorar e aprofundar a capacidade de reconhecer e compreender as inúmeras formas de apresentação e tipologias da epilepsia, qualificando os profissionais para o diagnóstico precoce, para a atenção a sinais e sintomas relatados pelo paciente e familiares que são essenciais para a diferenciação das crises e consequentemente para a compreensão de suas causas e origens e para o monitoramento das reações, previsíveis e inesperadas, aos medicamentos. Nesse sentido, as questões clínicas precisam retomar a sua relevância em todo o processo diagnóstico e terapêutico, considerando que a escuta minuciosa do relato das crises e das manifestações observáveis e subjetivas, peri-ictais ou inter-ictais, obtido com o paciente e familiares pode trazer informações elucidativas para o detalhamento diagnóstico tão indispensáveis quanto as trazidas por sofisticados exames tecnológicos.


Em que pese a complexidade da doença e todas as dificuldades para o desenvolvimento de novas e eficazes intervenções terapêuticas, a lenta evolução da pesquisa sobre epilepsia e medicações antiepilépticas demanda por reflexão e ações urgentes!

Drª Tárcia Rita Davoglio

Psicóloga Clínica/Pesquisadora

Referências:

¹ Chen Z, Brodie MJ, Liew D, Kwan P. Treatment Outcomes in Patients with Newly Diagnosed Epilepsy Treated With Established and New Antiepileptic Drugs: A 30-Year Longitudinal. [publicado on-line em 26 de dezembro de 2017]. JAMA Neurol . doi: 10.1001 / jamaneurol.2017.3949

² Löscher, W.; Schmidt, D. Modernantiepileptic drug development has failed todeliver: ways out of the current dilemma.Epilepsia 2011, 52, 657. doi: 10.1111/j.1528-1167.2011.03024.x

³ Fang,Z. et al. Advances in Autoimmune epilepsyAssociated with Antibodies, TheirPotential Pathogenic MolecularMechanisms, and CurrentRecommended immunotherapies. Front Immunol. 2017 Apr 25;8:395. doi: 10.3389/fimmu.2017.00395

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